Os caracteres da perfeição,
apresentados por Jesus, no Evangelho, desdobram-se em três pontos fundamentais:
amar os vossos
inimigos; fazer o bem aos que vos odeiam, e orar pelos que vos perseguem e
caluniam. E isso porque – explica o Mestre Divino – se
somente amarmos os que nos amam, que recompensa teremos disso? Não fazem o
mesmo os publicanos? Se somente saudarmos os nossos irmãos, que fazemos com
isso mais do que outros? Não fazem o mesmo os pagãos? Concluindo o seu ensinamento,
diz Jesus: Sede, pois, vós
outros, perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celestial.
Comentando esse ensino, assinala
Kardec:
Pois que Deus possui a perfeição
infinita em todas as coisas, esta proposição: Sede perfeitos, como perfeito é o
vosso Pai celestial, tomada ao pé da letra, pressuporia a possibilidade de
atingir-se a perfeição absoluta. Se à criatura fosse dado ser tão perfeita
quanto o Criador, tornar-se-ia ela igual a este, o que é inadmissível. [...]
Aquelas palavras, portanto, devem entender-se
no sentido da perfeição relativa, a de que a Humanidade é suscetível e que mais
a aproxima da Divindade. Em que consiste essa perfeição? Jesus o diz: Em
amarmos os nossos inimigos, em fazermos o bem aos que nos odeiam, em orarmos
pelos que nos perseguem. Mostra ele desse modo que a essência da perfeição é a
caridade na sua mais ampla acepção, porque implica a prática de todas as outras
virtudes.
Com efeito, se se observam os
resultados de todos os vícios e, mesmo, dos simples defeitos, reconhecer-se-á
nenhum haver que não altere mais ou menos o sentimento da caridade, porque
todos têm seu princípio no egoísmo e no orgulho, que lhes são a negação; e isso
porque tudo o que sobrexcita o sentimento da personalidade destrói, ou, pelo
menos, enfraquece os elementos da verdadeira caridade, que são: a benevolência,
a indulgência, a abnegação e o devotamento. Não podendo o amor do próximo,
levado até ao amor dos inimigos, aliar-se a nenhum defeito contrário à
caridade, aquele amor é sempre, portanto, indício de maior ou menor
superioridade moral, donde decorre que o grau da perfeição está na razão direta
da sua extensão.
Pode dizer-se, em decorrência disso,
que a [...] virtude, no mais
alto grau, é o conjunto de todas as qualidades essenciais que constituem o
homem de bem. Ser bom, caritativo, laborioso, sóbrio, modesto, são qualidades
do homem virtuoso. [...] Não é virtuoso aquele que faz ostentação
da sua virtude, pois que lhe falta a qualidade principal: a modéstia, e tem o
vício que mais se lhe opõe: o orgulho. A virtude, verdadeiramente digna desse nome,
não gosta de estadear-se. Advinham-na; ela, porém, se oculta na obscuridade e
foge à admiração das massas.
Entretanto, de todas as virtudes
qual a mais meritória? Os Espíritos Superiores respondem:
Toda virtude tem o seu mérito
próprio, porque todas indicam progresso na senda do bem. Há virtude sempre que
há resistência voluntária ao arrastamento dos maus pendores. A sublimidade da
virtude, porém, está no sacrifício do interesse pessoal, pelo bem do próximo,
sem pensamento oculto. A mais meritória é a que assenta na mais desinteressada
caridade.
Frequentemente, as qualidades morais
são como, num objeto de cobre, a douradura que não resiste à pedra de toque.
Pode um homem possuir qualidades reais, que levem o mundo a considerá-lo homem
de bem. Mas, essas qualidades, conquanto assinalem um progresso, nem sempre
suportam certas provas e às vezes basta que se fira a corda do interesse
pessoal para que o fundo fique a descoberto. [...] O apego às coisas materiais constitui sinal notório
de inferioridade, porque, quanto mais se aferrar aos bens deste mundo, tanto
menos compreende o homem o seu destino. Pelo desinteresse, ao contrário,
demonstra que encara de um ponto mais elevado o futuro.
Dizem os Espíritos Superiores que,
de todos os vícios, aquele que se pode considerar radical é o egoísmo. [...] Daí deriva todo mal. Estudai todos os
vícios e vereis que no fundo de todos há egoísmo. Por mais que lhes deis
combate, não chegareis a extirpá-los, enquanto não atacardes o mal pela raiz,
enquanto não lhe houverdes destruído a causa.
Note-se, entretanto que, fundando-se
o egoísmo no interesse pessoal, só poderá ser extirpado do coração à medida que
o homem se instrui a respeito das coisas espirituais, o que fará que dê menos
valor aos bens materiais.
Com efeito, ensinam os Orientadores
Espirituais que de [...] todas as imperfeições humanas, o egoísmo é a mais difícil de
desenraizar-se porque deriva da influência da matéria, influência de que o
homem, ainda muito próximo de sua origem, não pôde libertar-se e para cujo
entretenimento tudo concorre: suas leis, sua organização social, sua educação.
O egoísmo se enfraquecerá à proporção que a vida moral for predominando sobre a
vida material e, sobretudo, com a compreensão, que o Espiritismo vos faculta,
do vosso estado futuro, real e não desfigurado por ficções alegóricas. Quando,
bem compreendido, se houver identificado com os costumes e as crenças, o
Espiritismo transformará os hábitos, os usos, as relações sociais. O egoísmo assenta
na importância da personalidade. Ora, o Espiritismo, bem compreendido, repito,
mostra as coisas de tão alto que o sentimento da personalidade desaparece, de certo
modo, diante da imensidade. Destruindo essa importância, ou, pelo menos, reduzindo-a
às suas legítimas proporções, ele necessariamente combate o egoísmo.
O egoísmo é irmão do orgulho e
procede das mesmas causas. É uma das mais terríveis enfermidades da alma, é o
maior obstáculo ao melhoramento social. Por si só ele neutraliza e torna estéreis
quase todos os esforços que o homem faz para atingir o bem.
Portanto, o [...] egoísmo, chaga da Humanidade, tem que
desaparecer da Terra, a cujo progresso moral obsta. Ao Espiritismo está
reservada a tarefa de fazê-la ascender na hierarquia dos mundos. O egoísmo é,
pois, o alvo para o qual todos os verdadeiros crentes devem apontar suas armas,
dirigir suas forças, sua coragem. Digo: coragem, porque dela muito mais
necessita cada um para vencer-se a si mesmo, do que para vencer os outros. Essa coragem, porém, vai sendo por nós adquirida à
medida que despertamos para o sentimento do dever, inserto na própria
consciência.
Todos nós trazemos gravados no
íntimo do ser [...] os rudimentos da
lei moral. É neste mundo mesmo que ela recebe um começo de sanção. Qualquer ato
bom acarreta para o seu autor uma satisfação íntima, uma espécie de ampliação
da alma; as más ações, pelo contrário, trazem, muitas vezes, amargores e
desgostos em sua passagem. Por sua vez, o
[...] dever é o
conjunto das prescrições da lei moral, a regra pela qual o homem deve
conduzir-se nas relações com seus semelhantes e com o Universo inteiro. Figura
nobre e santa, o dever paira acima da Humanidade, inspira os grandes
sacrifícios, os puros devotamentos, os grandes entusiasmos. Risonho para uns,
temível para outros, flexível sempre, ergue-se perante nós, apontando a
escadaria do progresso, cujos degraus se perdem em alturas incomensuráveis.
Afirma o Espírito Lázaro, em
comunicação inserida em O Evangelho segundo o Espiritismo, que: O dever é a obrigação moral da
criatura para consigo mesma, primeiro, e, em seguida, para com os outros. O
dever é a lei da vida. Com ele deparamos nas mais ínfimas particularidades,
como nos atos mais elevados. Quero aqui falar apenas do dever moral e não do
dever que as profissões impõem.
Na ordem dos sentimentos, o dever é
muito difícil de cumprir-se, por se achar em antagonismo com as atrações do
interesse e do coração. Não têm testemunhas as suas vitórias e não estão
sujeitas à repressão suas derrotas. O dever íntimo do homem fica entregue ao
seu livre-arbítrio. O aguilhão da consciência, guardião da probidade interior,
o adverte e sustenta; mas, muitas vezes, mostra-se impotente diante dos
sofismas da paixão. Fielmente observado, o dever do coração eleva o homem; como
determiná-lo, porém, com exatidão? Onde começa ele? Onde termina? O dever
principia, para cada um de vós, exatamente no ponto em que ameaçais a felicidade
ou a tranquilidade do vosso próximo; acaba no limite que não desejais ninguém
transponha com relação a vós.
Assim finaliza o referido Instrutor
Espiritual: O dever cresce e
irradia sob mais elevada forma, em cada um dos estágios superiores da
Humanidade. Jamais cessa a obrigação moral da criatura para com Deus. Tem esta
de refletir as virtudes do Eterno, que não aceita esboços imperfeitos, porque
quer que a beleza da sua obra resplandeça a seus próprios olhos.